Por Martin Lloyd-Jones
Não pensem em termos de direitos e barganhas no reino de Deus. Isso é absolutamente fatal. Não há nada mais errado do que o espírito que argumenta que, porque eu faço isto, ou porque eu fiz aquilo, tenho o direito de esperar algo em troca.
Em outras palavras, precisamos compreender que não temos direito a coisa nenhuma. “Mas”, alguém dirá, “Paulo não ensina sobre julgamento e recompensas na Segunda Epístola aos Coríntios, no capítulo cinco?” Certamente, e o faz também no terceiro capítulo da Primeira Epístola aos Coríntios, e o próprio Senhor, no capítulo doze de Lucas, fala sobre aqueles que recebem muitas chicotadas e os que recebem poucas, e assim por diante. O que isso nos diz, então? A resposta é que até mesmo as recompensas são pela graça. Ele não precisa dá-las, e se acham que podem determinar ou predizer com elas devem vir, estão errados. Tudo na vida cristã é pela. graça, do começo ao fim. Pensar em termos de barganha, e resmungar por causa dos resultados, revela desconfiança dEle, e precisamos vigiar nosso próprio espírito para que não abriguemos o pensamento de que Ele não está nos tratando de maneira justa.
Não mantenham um balanço ou registro do seu trabalho. Desistam dessa contabilidade. Na vida cristã nada devemos desejar além da Sua glória, nada além de agradar a Ele. Então, não fiquem de olho no relógio, mantenham seus olhos nEle e na Sua obra. Não fiquem registrando seu próprio trabalho, mantenham seus olhos nEle e em Sua glória, em Seu amor e em Sua honra e na expansão do Seu reino. Mantenham sua atenção nisso e em nada mais. Não se preocupem com quantas horas dedicou ao trabalho, nem com o que vocês fizeram. Deixem a contabilidade aos cuidados dEle e da Sua graça; deixem que Ele mantenha o registro. Ouçam o que Ele diz a esse respeito: “Não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita”. É assim que devem trabalhar no Seu reino, devem trabalhar de tal forma que sua mão esquerda nem saiba o que a direita está fazendo. Por esta razão: “Teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente”. Não há necessidade de perder tempo mantendo um balanço: Ele está fazendo isso. E a contabilidade dEle é maravilhosa! Digo isso com reverência, não conheço nada mais romântico do que o método de contabilidade de Deus. Preparem-se para surpresas no Seu reino. Vocês jamais saberão o que vai acontecer. Os últimos serão os primeiros. Que inversão total da nossa perspectiva materialista — os últimos, primeiro; os primeiros, por último, tudo de cabeça para baixo. O mundo todo foi virado de cabeça para baixo pela graça. Não é do homem, é de Deus, é o reino de Deus. Que coisa esplêndida!
Quero fazer uma confissão pessoal. Esse tipo de coisa aconteceu muitas vezes comigo em meu ministério. Às vezes Deus foi gracioso num domingo, e tive consciência de uma extraordinária liberdade, e fui tolo o suficiente para dar ouvidos ao diabo quando ele disse: “Espere só até o próximo domingo, vai ser maravilhoso, a congregação vai ser ainda maior”. E então subi ao púlpito no domingo seguinte, e vi uma congregação menor. Mas então, numa outra ocasião, parado naquele mesmo púlpito, batalhei como se estivesse ali sozinho, pregando de forma fraca e ineficaz, e o diabo veio e disse: “Não vai haver ninguém aqui no próximo domingo”. Mas, graças a Deus, descobri no domingo seguinte uma congregação maior. Este é o método da contabilidade de Deus. Nunca sabemos. Subo ao púlpito em fraqueza, e termino com poder. Subo com auto-confiança e acabo me sentindo um tolo. É a contabilidade de Deus. Ele nos conhece muito melhor do que nós conhecemos a nós mesmos. E está sempre nos surpreendendo. Nunca se sabe o que Ele vai fazer. Sua contabilidade é a coisa mais romântica que conheço neste mundo.
Nosso Senhor falou disso novamente na terceira parábola do capítulo 25 do Evangelho de Mateus. Lembrem-se da Sua descrição das pessoas que vão chegar ao fim do mundo esperando uma recompensa, mas a quem Ele não vai dar nada, e então outros a quem Ele dirá: “Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado”. E eles dirão: “Nós nada fizemos; quando Te vimos nu, e faminto, ou sedento, e Te atendemos?” E ele dirá: “Quando os fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes”. Que surpresa isso vai ser. Esta vida é cheia de romance. Nosso livro-razão está ultrapassado; ele não tem valor. Estamos no reino de Deus, é a contabilidade de Deus. É tudo pela graça.
Isso então nos traz ao último princípio, qual seja, que não só devemos reconhecer que é tudo pela graça, mas nos regozijar por ser assim. Essa era a tragédia desses homens. Eles viram que aqueles que trabalharam apenas uma hora receberam um dinheiro, e em vez de se regozijarem com aquilo, começaram a murmurar e a reclamar, sentindo que não era justo, que não tinham sido tratados com equidade. O segredo de uma vida cristã feliz é compreender que é tudo pela graça, e regozijar-se nesse fato. “Assim também vós”, diz o Senhor numa outra passagem, “quando fizerdes tudo o que vos for mandado, dizei: somos servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos fazer”. Esse é o Seu ponto de vista, esse é o Seu ensino, esse é o segredo de tudo. Não era esse o Seu modo?
Era, de acordo com o apóstolo Paulo, que disse: “Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros. De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus”. Vocês entendem o que isso significa. Ele não olhou para Si mesmo, Ele não pensou em Si mesmo e nos Seus interesses; Ele deixou de lado Sua reputação, deixou de lado as insígnias da Sua eterna glória. Ele não considerou Sua igualdade com Deus algo a que devesse se agarrar, dizendo: “Aconteça o que acontecer, não vou largar”. Ele não fez isso. Ele o deixou de lado, Ele Se humilhou, esqueceu-Se de Si mesmo, e enfrentou e suportou e fez tudo o que fez olhando somente para a glória de Deus. Nada mais importava para Ele, apenas que o Pai fosse glorificado, e que homens e mulheres viessem ao Pai. Esse é o segredo. Sem olhar para o relógio, sem avaliar a quantidade de trabalho, sem manter um balanço, mas esquecendo tudo exceto a glória de Deus, o privilégio de ser chamado para trabalhar para Ele, o privilégio de ser um cristão, lembrando somente da graça que olhou para nós e nos removeu das trevas para a luz.
É graça no princípio, é graça no fim. Portanto, quando nós estivermos em nosso leito de morte, o que deve nos consolar e ajudar e fortalecer ali é a mesma coisa que nos ajudou no começo. Não o que fomos, não o que fizemos, mas a graça de Deus em Jesus Cristo nosso Senhor. A vida cristã começa pela graça, deve continuar pela graça, e terminar na graça. Graça, maravilhosa graça. “Pela graça de Deus sou o que sou”. “Todavia não eu, mas a graça de Deus, que está comigo”.
Trechos selecionados do livro Depressão Espiritual, de Martyn Lloyd-Jones
Fonte: iProdigo