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13 de dezembro de 2010

Cristo Noel?


Por Sinclair Ferguson

Peguei a mão do meu filho pequeno (isso foi há algumas décadas), enquanto caminhávamos até uma loja local numa pequena e remota ilha Escocesa, onde, no início daquele ano, eu tinha sido instalado como pastor. Era semana de Natal. A loja estava bem decorada e um ar de entusiasmo estava em toda a parte.

Sem qualquer aviso, as conversas dos clientes foram interrompidas por uma voz questionadora ao meu lado. Meu filho, levantando o dedo indicador, apontou para um grande desenho do Papai Noel. “Papai, quem é aquele homem de aparência engraçada”, ele perguntou.

Espanto espalhou-se pelos rostos dos compradores, olhares acusadores eram dirigidos a mim. Que vergonha, o filho do pastor não reconheceu o Papai Noel! Qual a probabilidade, então, de ouvir algo bom em sua pregação nessa época festiva?

Essas experiências podem nos fazer chorar ao perceber como o mundo ocidental se dá todos os anos ao Papai Noel e ao comércio. Nós acabamos celebrando uma festa pagã retrabalhada, em que a única ligação com a encarnação é semântica. Noel é adorado, e não o Salvador; peregrinos vão às lojas com cartões de crédito, não para a manjedoura com presentes. É a festa da indulgência, e não da encarnação.

É sempre mais fácil lamentar e criticar o novo paganismo do secularismo idólatra flagrante do que ver a facilidade com que a igreja – e nós mesmos – distorcemos ou diluimos a mensagem da encarnação a fim de satisfazer os nossos próprios gostos. Mas sendo criteriosos, infelizmente, temos várias maneiras comuns em que transformamos o Salvador em uma espécie de Papai Noel.

Cristianismo Papai Noel

Por um lado, em nossa adoração no Natal, podemos envernizar a verdade espantosa da encarnação com uma roupagem visual e auditiva esteticamente agradável. Nós confundimos prazer emocional – ou pior, sentimento – com verdadeira adoração.

Por outro lado, podemos denegrir o nosso Senhor com uma cristologia de papai noel. Infelizmente, é comum a Igreja fabricar um Jesus que é o reflexo do Papai Noel. Ele torna-se um Cristo Noel.

Esse Cristo Noel é, por vezes, um Jesus pelagiano. Como Papai Noel, ele simplesmente pergunta-nos se temos sido bons. Mais exatamente, uma vez que o pressuposto é que todos nós somos naturalmente bons, Cristo Noel pergunta-nos se temos sido “suficientemente bons”. Assim como a ceia de Natal é simplesmente o jantar que realmente merecemos, Jesus torna-se uma espécie de bônus que faz nossa vida ainda melhor. Ele não é visto como o Salvador dos pecadores desamparados.

Ou o Cristo Noel pode ser um Jesus semi-pelagiano – um Jesus um pouco mais sofisticado, que, como o Papai Noel, dá brindes para aqueles que já tenham feito o melhor que podiam! Assim, a mão de Jesus, como o saco do Papai Noel, só abre quando conseguimos dar uma boa resposta para a pergunta não muito pesada, “Você fez o seu melhor este ano?” A única diferença da teologia medieval aqui é que nós não usamos mais a fraseologia Latina: facere quod in se est (fazer o que se é capaz de fazer por conta própria, ou, na linguagem comum, “Deus ajuda aqueles que se ajudam”).

Ou então, o Cristo Noel pode ser um Jesus místico, que, como Papai Noel, é importante devido às boas experiências que temos quando pensamos sobre ele, independentemente da sua realidade histórica. Realmente não importa se a história é verdadeira ou não, o importante é o espírito do Cristo Noel. Na verdade, seria ruim contar isso para as crianças, mas todos podem fazer o seu próprio Cristo Noel. Contanto que nós tenhamos esse espírito, está tudo bem.

Mas Jesus não pode ser identificado com o Papai Noel. Por mais que ao falarem de Papai Noel as pessoas empreguem uma linguagem religiosa, não se deve confundir isso com a verdade bíblica.

O Cristo do Natal

As Escrituras sistematicamente retiram o verniz que cobre a verdadeira história de Natal. Jesus não veio para aumentar o nosso conforto. Ele não veio para ajudar aqueles que já estavam ajudando a si mesmos ou para preencher a vida com mais experiências agradáveis. Ele veio em uma missão de libertação, para salvar os pecadores, e para isso ele tinha que destruir as obras do Diabo (Mt 1:21; 1 João 3:8b).

Aqueles cujas vidas estavam intimamente ligadas com os acontecimentos do primeiro Natal não acharam seu nascimento uma experiência tranquila e agradável.

Maria e José tiveram suas vidas reviradas de cabeça para baixo.

A noite dos pastores foi assustadoramente interrompida e aquilo mudou a rotina deles.

Os magos enfrentaram todos os tipos de separação e transtorno familiar.

O próprio Senhor Jesus, concebido antes do casamento, nasceu provavelmente em uma caverna, e passaria seus primeiros dias como um refugiado do sanguinário e vingativo Herodes (Mateus 2:13-21).

Há, portanto, um elemento nas narrativas do Evangelho, que salienta que a vinda de Jesus é um evento perturbador das maiores proporções. Tinha que ser assim, pois Ele não veio apenas para acrescentar algo mais à vida, mas para lidar com nossa falência espiritual e com a dívida de nossos pecados. Ele não foi concebido no ventre de Maria para aqueles que fizeram o seu melhor, mas para aqueles que sabem que o melhor que podem fazer é “como trapo imundo” (Isaías 64:6), estão longes de serem bons o suficiente e que, em sua carne não habita nenhum bem (Rm 7:18). Ele não foi enviado para ser a fonte de boas experiências, mas para sofrer as dores do inferno, a fim de ser o nosso Salvador.

Um Natal Cristão

Os cristãos que primeiro comemoraram o nascimento do Salvador viram isso. Natal para eles não foi (ao contrário do que é às vezes erroneamente se diz) simplesmente temperar com pitadas de cristianismo uma festa pagã, a Saturnália romana. Eles fizeram o que mais tarde outros cristãos fariam na marcação Dia da Reforma (que acabou sendo também o Dia das Bruxas), ou seja, comprometendo-se com uma alternativa radical à Saturnália do mundo romano, recusando-se a se encaixar em um molde socialmente aceitável. Eles estavam determinados a fixar a mente, o coração, a vontade e a força exclusivamente no Senhor Jesus Cristo. Não houve confusão no seu pensamento entre o mundo e o evangelho, Saturnália e Natal, Cristo Noel e Jesus Cristo. Eram cidadãos de outro império completamente diferente.

Na verdade, tal era o ultraje evocado por sua devoção a Cristo nessa festa que, durante as perseguições sob o imperador Diocleciano, alguns crentes foram assassinados enquanto se reuniam para celebrar o Natal. Qual foi a sua ofensa grave? A adoração ao verdadeiro Cristo – encarnado, crucificado, ressuscitado, glorificado e prestes a retornar. Eles celebraram a Jesus naquele dia porque Ele se deu completamente por eles, então, queriam dedicar tudo a Jesus.

Numa véspera de Natal na minha adolescência, eu abri um livro que um amigo havia me dado de presente. Eu estava tão emocionado com a doutrina do meu Salvador recém encontrado que comecei a tremer de emoção com o que tinha me dado conta: o mundo não tinha comemorado a Sua vinda, ao contrário, o haviam crucificado.

Isso não deveria causar-nos tremor? O fato de que “eles crucificaram meu Senhor.” Ou será que é verdade apenas em música, não na realidade? Não estamos lá quando o mundo ainda o crucifica em suas próprias maneiras, muitas vezes sutilmente?

A verdade é que, a menos que o significado do que Cristo fez no primeiro Natal nos sacuda, dificilmente podemos dizer que tenhamos entendido o que essa história significa, ou quem ele realmente é.

Não confundamos Jesus Cristo com Papai Noel.

Fonte: iPródigo

Traduzido e adaptado por Gustavo Vilela | iPródigo.com | Original aqui

7 de dezembro de 2010

Regeneração e Verdadeiro Livre Arbítrio

 
C.H. Spurgeon


spurgeon_oil.jpg (10K) - Spurgeon
O homem tornou-se tão decaído que ele não é capaz de cumprir a lei. É mais fácil o etíope mudar a sua pele ou o leopardo as suas manchas, do que aquele que está acostumado a fazer o mal aprender a fazer o bem (Jeremias 13:23); mas o que o homem não é capaz de fazer, por causa da perversidade da carne, Deus executa dentro dele, efetuando nele o querer e o realizar segundo a Sua boa vontade. Oh, que graça sublime é esta, que, enquanto perdoa nossa falta de vontade, também remove nossa carência de poder!
E, queridos amigos, não é uma maravilhosa prova da graça que Deus faz isto sem destruir o homem em absolutamente qualquer grau? O homem é uma criatura com uma vontade (um arbítrio), um "livre arbítrio" como eles às vezes é chamado, uma criatura que é responsável pelas suas ações; assim Deus não vem e muda nossos corações por um processo físico, como alguns parecem imaginar, mas por um processo espiritual no qual ele nunca arruína nossa natureza, mas torna a nossa natureza correta.
Se um homem se torna um filho de Deus, ele ainda tem uma vontade (um arbítrio). Deus não destrói o delicado mecanismo da nossa natureza, mas ele o coloca na marcha adequada. Nós nos tornamos cristãos com a nossa própria total aprovação e consentimento; e nós não guardamos a lei de Deus por qualquer compulsão a não ser a doce compulsão do amor. Nós não a obedecemos porque nós não poderíamos fazer o contrário, mas nós obedecemos porque nós não queremos fazer diferente, porque nós passamos a nos deleitar nela, e isto me parece a maior maravilha da graça divina.
"Deus não destrói o delicado mecanismo da nossa natureza, mas ele o coloca na marcha adequada."
Vejam, queridos amigos, como são diferentes o modo de agir de Deus e o nosso. Se você derruba um homem que está vivendo uma vida má, e o põe em cadeias, você pode torná-lo honesto pela força; ou se você o deixa livre, e restringe-o por meio de leis do parlamento, você pode mantê-lo sóbrio se ele não puder adquirir nada para beber, você pode fazer com que ele fique maravilhosamente quieto se você puser uma mordaça na boca dele; mas esse não é o modo de Deus agir.
Ele que pôs o homem no Jardim de Éden e nunca pôs qualquer paliçada ao redor da árvore do conhecimento do bem e do mal, mas permitiu que o homem fosse um agente livre, faz exatamente o mesmo nas operações da Sua graça. Ele deixa o seu povo entregue às influências que estão dentro de cada um, e ainda assim eles andam corretamente, porque eles são tão transformados e renovados pela Sua graça que eles se deleitam em fazer aquilo que antes eles detestavam fazer.
Eu admiro a graça de Deus agindo assim. Nós teríamos feito o relógio em pedaços, quebrado metade das rodas e feito novas ou algo assim. Mas Deus sabe como deixar o homem tão homem quanto ele era antes da sua conversão, e ainda assim fazê-lo tão completamente um novo homem que as coisas antigas já passaram e tudo se fez novo.
E isto é muito bonito também: que quando Deus escreve a Sua lei nos corações do Seu povo, Ele faz com que este seja o modo de preservação deles. Quando a lei de Deus é escrita no coração de um homem, aquele coração divinamente torna-se propriedade real, porque o nome do Rei está lá, e o coração no qual Deus escreveu o Seu nome jamais pode perecer.

Fonte: Bom Caminho