O mundo secular nunca compreende a motivação cristã. Confrontados com a questão do que faz dos cristãos pessoas confiantes, os incrédulos sustentam a idéia de que o Cristianismo só atua em defesa dos seus próprios interesses. Eles vêem os cristãos como pessoas que temem as conseqüências de não ser cristão (a religião como um seguro contra incêndio) ou que sentem a necessidade de ajuda e apoio para alcançar seus objetivos (a religião como uma muleta), ou que desejam manter uma identidade social (a religião como uma marca de respeitabilidade). Sem dúvida, todas estas motivações podem ser encontradas entre os membros das igrejas: seria fútil contestar isso. Contudo, assim como um cavalo, quando trazido para dentro de casa, não se torna um ser humano, também uma motivação que visa o seu próprio interesse, quando trazida para dentro da igreja, não se torna algo cristão, nem a santidade será o nome certo para designar as rotinas religiosas, conseqüentemente, motivadas. Aprendo, com o plano da salvação, que a verdadeira força motivadora da vida cristã autêntica não é, nem jamais deve ser, a esperança de ganhar algo, mas o coração cheio de gratidão.
O plano da salvação não apenas me ensina que nada posso fazer para ganhar, aumentar ou estender o favor de Deus, ou evitar a fúria de sua ira, ou arrancar-lhe benefícios, mas também que nunca preciso tentar fazer qualquer uma dessas coisas. O próprio Deus me amou desde a eternidade. Ele mesmo me redimiu do inferno por meio da cruz, renovou o meu coração e me trouxe à fé. Ele mesmo, soberanamente, firmou o compromisso de completar a obra de minha transformação à semelhança de Cristo e levar-me, irrepreensível e glorificado, à sua presença por toda a eternidade. Quando este poderoso amor tiver assumido, portanto, o controle total de levar-me para minha casa na glória, o amor responsivo, nutrido pela gratidão e expresso em ações de graças, deverá brotar espontaneamente como o sentimento que rege minha vida. Serei sábio se pensar e meditar nas maravilhosas misericórdias do plano de Deus.
Um pequeno poema, certa vez ensinado aos adolescentes, fala-me de qual deve ser a minha resposta:
Não tentarei salvar a minha alma, Pois isto já foi feito pelo meu Senhor; Mas trabalharei como qualquer servo Pelo amor do querido Filho de Deus.
O apóstolo Paulo, em Romanos 12, deixa claro que é assim que deve ser. Ele proclama a justiça de Deus (a obra divina de fazer do pecador, para sempre, uma pessoa justa diante de Deus: Rm 1.17; 3.21; 10.3) em sua relação com a expiação histórica (Rm 3.21-26), a eleição eterna (Rm 8.29-39), a vocação pessoal (ou seja, o "chamado" que gera a fé: Rm 1.6; 8.28-30; 9.24) e o lugar dos judeus e gentios na comunidade da Aliança (Rm 9.1-11.36). Agora ele pede aos leitores que respondam da seguinte forma: "Rogo-vos, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus (o texto grego diz "misericórdias" no sentido de atos que expressem misericórdia), que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional" (Rm 12.1).
Segundo Paulo, os cristãos devem ser induzidos e levados a uma vida consagrada uma vez que conhecem o amor, graça e misericórdia de Deus - a misericórdia da salvação soberana, pela qual Deus perdoa, aceita e exalta o pecador indigno e vil a um preço que lhe é altíssimo. Há uma diferença entre os termos amor, graça e misericórdia de Deus. O amor significa o seu desejo visível de abençoar aqueles a quem vê, como pessoas que não têm nenhum direito de exigir isto dele; a graça significa o seu desejo visível de abençoar aqueles a quem vê, como pessoas que merecem sua rejeição; a misericórdia significa o seu desejo visível de abençoar aqueles, cujo estado ele vê como miserável. O amor expressa a liberdade autodeterminadora de Deus; a graça, o seu favor auto-gerado e a misericórdia, a sua compaixão. Paulo discutiu a questão da misericórdia soberana de Deus para com os pecadores em Romanos 9.15-18 e 11.30-32. É como se dissesse:
"Vocês, que conhecem esta misericórdia em sua própria vida, devem mostrar-se verdadeiramente agradecidos por meio da integridade de seu compromisso com Deus daqui para a frente. Esta integridade é a sua santidade, porque santidade significa entregar-se totalmente a Deus como ele se deu, está se dando e se dará por completo para vocês. E esta integridade agradará a Deus, porque revelará a sua apreciação e afeição por ele, e então será a essência real, ensinada e realizada pelo Espírito, da adoração que lhe prestam".
É importante deixar claro que, assim como o louvor a Deus por sua grandeza transcendente é a base doxológica da santidade, o compromisso de passar a vida expressando gratidão pela graça de Deus, de todas as maneiras possíveis, é a sua base devocional. Qualquer tentativa de reorganizar a vida, que não seja resultado deste tipo de compromisso, não contribui à santidade, ainda que possa ser admirável por outros padrões e a partir de outros pontos de vista.
Portanto, parece claro que, como diziam os puritanos, o coração da santidade é a santidade no coração. O sacrifício santo que agrada ao Senhor é o cristão cujo coração nunca cessa de agradecer-lhe por sua graça. Deus se agrada da pessoa cujo objetivo, dia após dia, é expressar esta gratidão por meio de uma vida dedicada a ele, por ele e para ele, e que constantemente pergunta como o salmista: "Que darei ao Senhor por todos os seus benefícios para comigo?" (SI 116.12). Esse cristão foi o escocês Robert Murray McCheyne, que escreveu:
Escolhido, não por ter algo bom em mim;
Despertado da ira para fugir;
Protegido ao lado do Salvador,
Santificado pelo Espírito;
Ensina-me, Senhor, a mostrar nesta terra,
Por meio do meu amor, o quanto sou devedor.
Este é o tipo de cristão que devo procurar ser.
Fonte: Josemar Bessa
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